“Eu continuo a ser uma coisa só: um palhaço, o que me coloca num nível mais elevado do que o de qualquer político.” Charlie Chaplin

domingo, 9 de novembro de 2008

O triste espetáculo de uma vida

Por: Gilberto Bernardi Junior

           Apenas um texto. Sem explicações, sem sentimento (contraditório)... Apenas um texto manipulado, pois a realidade traria a tona a política suja e nojenta que não preserva vidas. Apenas um texto que não retrata que, no dia em que senti a morte na pele, o médico, que deveria estar em plantão no local de trabalho (para salvar vidas) foi dormir em casa, já que 24 horas antes, estava tomando cerveja num bar de Campinas do Sul. Atualmente, o médico que deveria fazer valer o juramento de faculdade de medicina, continua vivo e enganando pacientes. Já, o meu pai, está morto.



Palavras pré-meditadas. Nem perto da ousadia da morte


          Pensava que era o super-homem, mas me enganei e fraquejei. Parece que nunca vai acontecer, mas quando menos se espera o escuro estampa a nossa face. Coloca-nos numa situação de impotência. Mostra-nos o quanto somos fracos, o quanto somos nada. Tu usas todas as forças. Grita. Tenta reagir. Quebra uma porta com brutalidade e não acredita o que vê. Você vê a imagem refletir num espelho... A imagem retorcida do desespero. E dizem que somos fortes... Engano
          O desespero de um grito calmo foi tão alto, que a única pessoa que necessitava escutar, encontrava-se embalada pelo som dos anjos. Meu pai dizia, quando vivo - “Se eu avançar, avance comigo, se eu desistir e voltar, atire em mim, pois estarei indo contra todos os meus princípios”. Caído no chão, com o corpo a mercê da morte, seu olho escutou uma pequena frase. “Não me abandona agora pai”. O olho, já sem aquele brilho verde misturado com amarelo, abriu por um segundo e falou firme, porém suave – “Segue. Vai em frente... agora está com você”...
Entendi que a mensagem passada naquele instante, enquanto o coração do meu pai sangrava pelo infarto fulminante do miocárdio, e o meu sangrava de desespero, junto à impotência e insegurança, é que o triste espetáculo da vida tinha um início, 31 de julho de 2007.
          Fiz de tudo, não o possível. Não desisti um segundo, segurei firme e minhas lágrimas não caíram naquele momento. Eu tentei, e isso, não foi o suficiente. O mundo se calou em um instante. Calou-se no eterno.
          Não sou o super-homem, nem o Spider-Man, nem o Capitão América (herói de infância, ganhei a roupa do meu pai) nem nada. Quando fiquei sabendo que não era isso tudo, a frustração foi tão grande que ainda me pergunto o motivo pelo qual me leva a encarar o tranco.
          E nada restou... A superioridade ficou por conta da impotência, da revolta. Falta a gargalhada, sobra tristeza. Inconformismo. As lagrimas caem incansavelmente. Parece um mar de desilusão, um pouco maior... Bem maior. Incontável. E o GUERREIRO REPOUSOU.
          Enquanto a água do chuveiro escorria pelo ralo, passando pelo corpo do guerreiro, ela levava junto um pedaço da minha vida. Um pedaço que, sem querer, se misturava com a minha falta de força.
          Dizem que vão os bons, os Guerreiros bons por primeiro. Após a luta incansável, o Guerreiro repousa. Saem no melhor da festa sem ter dançado a ultima música (ele gostava do Bial). Dizia ele, o Guerreiro, isso é uma passagem. “Eu vou viver 100 anos”, afirmava meu pai, que foi traído por uma força maior, a morte.
          O Guerreiro sonhador, brincalhão, até no leito de morte sorria. Não existem palavras de consolação e nada ameniza e nada adianta. Então somos limitadíssimos, então somos coisa nenhuma.
          Deitamos rindo e “acordamos”, de fato, mortos. Não acordamos. Puxamos o ar e, talvez, não consigamos soltar. É possível até de tentar falar uma frase inteira e esquece de avisar onde é o ponto final. Depois de um tempo, o ponto se coloca sozinho e indica o fim da linha. Ponto.
          Falam que é preciso estar preparado para a única certeza da vida, a morte. Se o cara lá de cima criou à vida e, consequentemente a morte, poderia ter esquecido de criar o sofrimento, a dor, a perda, o nada. Poderia ter sido mais humano e menos espírito... Por que sempre os bons ao lado dele? Por que sempre os melhores? Os que fazem mais falta aqui nesse mundinho? Por que ele não avisa que vai nos passar uma tranca quando estamos com o corpo mole? Por que a gente não nasce com um botão de on e off? E sem respostas, O Guerreiro repousa.
          Largam o escudo, baixam a guarda e limpam a espada. Deixam apenas a armadura por aqui e somem, desaparecem. Olham-te por uma última vez, talvez duas, e... Deixam-nos arrepiados. Vão caminhando em direção a não sei aonde e nem se quer dizem adeus, apenas uma mensagem nas entrelinhas de um último olhar.
          Dizem que aquele lugar, que não conhecemos, é lindo e tem violetas na janela. Dizem que o sol irradia as manhãs de uma forma jamais vista. Dizem que as pessoas são legais e que todos são Guerreiros de luz. Dizem que as ondas do mar, no por do sol, beijam os pés de quem caminha descalço pela orla dos céus com os lábios da virgem Maria. E os que ficam? Que explicação nos dão? Nenhuma. Deixam-nos lembranças, lágrimas e desconforto apesar do conforto lutado na batalha de uma vida de meio século.
          Joga-se a morte contra o muro da eternidade e ela volta com tanta força do lado esquerdo do peito, que nem a estrutura, que é feita do melhor material resiste a essa energia do outro mundo. Em segundos infinitos, a morte toma conta de tudo o que é mais sagrado. Tira-nos do colo a segurança e ficamos desolados. E o GUERREIRO REPOUSA no manto eterno. Calmo, afetuoso. Consolado por uma legião de guardiões.
          Damos um giro de um milhão de graus. Dorme-se sorrindo e se acorda chorando. E não somos o super-homem. Nem somos uma pedra rochosa. A mensagem que fica é a de um dicionário de palavras sem significado. As teorias em relação à vida e morte se desfazem. O imaginário entra em ação. O medo, a insegurança, o perdão, a impotência, o clamor, a raiva e tudo o que existe se torna inevitável e ridícula quando sentimos a falta de vida em nossos braços. Não sou um Guerreiro como meu pai. Estou longe, muito longe disso...
E o Guerreiro de luz segue a sua saga de vitórias em uma outra batalha, enquanto eu, um aprendiz a partir do ano que continua vivo e impertinente em minha memória, tento colocar em prática o que o Guerreiro do Repouso eterno me ensinou em seu bravo duelo por aqui.
          Nasce-se novamente, só que não tem ninguém para ensinar o que é certo ou errado, nem para dizer qual caminho seguir, entretanto, aprende-se pelo instinto, pelo alvitre. Dança-se uma nova música sem saber o ritmo. Eu não consegui ser o super-homem. E a nuvem negra tapa o nosso rosto com gotas de morte. Premonição existe.

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Tudo tem um final. Ele está depois do ponto.

Eu juro que tentei um pouco de tudo pai, mas não deu. Eu to tentando ser forte e sóbrio, mas não é fácil. Eu juro que usei todas as forças para não te decepcionar, só faltou um médico aquele dia. Aquele dia ainda não terminou. Aquele dia fica acordado e não dorme nunca. Isso dói. Agora falta o carinho, a risada, os conselhos, agora falta tudo, agora falta você. Eu vejo o meu corpo tremer cada vez q chego em casa e olho o vazio que se estende pelos tantos cantos da casa. Ms t juro que tentei fazer d tudo. E tu vai assim, sem mais nem menos. Eu te segurei firme, te envolvi nos meus braços, e tu conseguiu escapulir. Eu to firme ainda Pai, to engolindo meu choro, retendo minhas lágrimas, enxugando o rosto de todos. Eu to firme Pai. Está tudo bem, pai, eu só estou sangrando. Gracias.

quarta-feira, 26 de março de 2008

O ingênuo perspicaz, o poeta Pedro.

Por: Gilberto Bernardi Junior

          Algumas pessoas parecem ter um espírito ousado sempre. Apresentam-se de forma, no mínio, interessante. Se olharmos ao nosso redor poderemos observar a presença de diferentes tribos. Tem gente de todo o estilo. Reggae, alternativo, punk, literário, conservador, naturalista, minimalista, enfim... Tem gente que só de olhar da pra arregalar os olhos e fazer com que eles saltem da cabeça, fazendo explodir o nosso imaginário.
          Então salve, salve por que nesta reportagem vamos contar a história de uma dessas pessoas. Ele trocou o endereço fixo por uma vida de andarilho, dando passos pelo mundo a fora, não tendo paradeiro nunca. O cara aprecia as letras, forma frases para encher a barriga, enaltecer a alma e engrandecer o ego.



          Nascido em Porto Alegre, residente em um Passat ano 80, Pedro Marodin tem 43 anos e a 19 é poeta. Um deslumbrado pela vida que largou a faculdade de Agronomia na UFRGS para levar uma vida totalmente sem, digamos que, rumo. Apaixonado pelo que faz, Pedro ganha a vida escrevendo poesias. É um militante nessa área. Se define com um guerreiro na arte de viver, pois o dinheiro que recheia seu bolso é apenas o da venda de seus livros.
          Numa aula de matemática, ao invés de somar, diminuir, dividir estava fazendo um poema. Quando todos já se retiravam, colegas e professor, o rapaz ainda sentado na classe, sozinho, terminava os versos. Ao final deles lagrimas começaram a cair de seus olhos e o choro compulsivo tomou conta de seu corpo. Nesse momento Deus dava o diploma de poeta a Pedro, nascendo o destino do ex-agronomo para o mundo da fantasia.
          Devido ao tempo em que tem em meio aos seus dedos um lápis ou caneta para colocar no papel, versos, Marodin já não lembra mais qual foi o primeiro poema que escreveu, porém, em entrevista comenta que, quando jovem fazia parte de um grupo de adolescentes da Paróquia São Sebastião e tentava catequizar uns amigos maconheiros que freqüentavam as salas de aula daquele lugar. Quando emprestou uma Bíblia a esses meninos, em troca, um livro do Mário Quintana “ Esconderijos do tempo” se pôs em suas mãos, levando ao seu intelecto o primeiro livro de poesias lido por ele.
          De cabelos longos e sotaque cantado, o nômade gaúcho não se restringe apenas ao Rio Grande do Sul. Se viajar é bom, imagina marcar as estradas do nosso país com versos e prosas. Canções e estrofes. Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás já conhecem um pouco desse “magrão” que usa nariz de palhaço e aos finais da tarde declama poesia para as crianças.


Quando a gente menos espera...

          Quando conheci o Pedro ainda estudava na cidade de Erechim, no Instituto Anglicano Barão do Rio Branco. Estava no primeiro ano do ensino médio. Na sala fechada, de 45 alunos, o vento gelado entrava por debaixo da porta quando, na aula de química, entra um senhor engraçado pela porta junto com o ar congelante do inverno tocando saxofone e em seguida declamando poesias. Eu sentava na última classe, bem no fundão. Com dez minutos de apresentação os nossos ouvidos ficaram quentes e nossas mãos duras, amoleciam com emoção daquele formador de versos.
          Alguns anos se passaram e logo ali, quando a gente menos espera, se da de cara com alguém caminhando nos corredores da Jornada Nacional de Literatura, em Passo Fundo. Desta vez eu estava na posição de estagiário voluntário do documentário do evento. Eis que encontro um homem de pochete na cintura, calça jeans e casaco. Ainda de cabelos alongados e livros nas mãos. Aproximei-me e perguntei se ele não era escritor ou poeta. Se já tinhas ido para Erechim e tal. O papo, num segundo surgiu, após eu comentar que o tinha conhecido na escola. Bradou Pedro, nos corredores de frio intenso da jornada. Era inverno também “Bá, tu tava lá? Eu toquei sax na tua aula, lembra!?”. Realmente o mundo é gigante, mas nos passa uma impressão de pequenino às vezes.


As estórias de uma vida, singular, prosseguem. Poesias e pneus...

          Se não bastasse se apaixonar por uma francesa no Fórum Social Mundial de Porto Alegre e como conseqüência vender o carro, uma Quantun 86, de nome Manoel, para ir até a França em busca desse amor, Pedro tem uma relação de afetividade com seus carros, que coloca inveja em qualquer pai coruja no paredão do big brother. “Eu tenho uma relação de parceria total, como eu não tenho ninguém pra conversar, na estrada, eu converso com eles. Falo dos amores, meus problemas, dívidas com a gráfica. Divido as alegrias, as tristezas...”. Nos conta o viajante.
          Atualmente o poeta das estradas está com um Passat de ano 80 que se chama Chocolate. Neste veículo, que acredito ser abastecido não apenas por gasolina, e sim, por muito alto astral, existe ainda o banco do motorista, já que o do caroneiro e o traseiro foi tirado para dar lugar a uma porta serrada na medida, por Marodin, que serve como uma cama, um colchonete e cobertores fazem o papel de colchão. É, viver de encanto pode dar dor nas costas.
          O homem nômade também tem suas ambições. Por de trás do perfil alternativo, improvisador, elegante, existe uma pessoa que busca melhorar a sua casa ambulante. Não vai pensar que ele vai compra um iate e começar a vender seus livros pelos sete mares, se bem que desse poeta... Enfim, segundo ele, um Motor-home seria o ideal para furar as transversais dos estados e insistir na venda de suas idéias num país que não tem como costume a leitura. Dentro de suas possibilidades financeiras, uma Kombi está de bom tamanho e as coisas teriam o seu devido lugar já que - “No Chocolate, na primeira curva, a cozinha se atira, se mistura com o guarda roupa, os livros se jogam no meio dos meus pés, o violão se joga no vidro, imagina o transtorno de ter uma tripulação louca e, pior, suicida, tão doida quanto eu”. Brinca o escritor.
          Talvez depois dessa reportagem a gente consiga, com muito esforço, mudar o conceito da cidade projetada, Brasília. Certo dia o poeta resolve ir para a capital do Brasil. Lá chegando suas idéias giravam em torno do preconceito em relação à corrupção, politicagem, mas o surpreendente tomou conta do raciocínio do malabarista de palavras devido à forma como o povo o recebeu por aquelas bandas. Segundo Pedro, uma vez o proprietário de um restaurante, seu Jorge, pegou ele pelo braço e sem conhecer seus dotes, fez os músicos pararem de tocar e o apresentou ao microfone local. Durante dez minutos, os poemas tomaram os ouvidos das pessoas do recinto que interromperam a janta para apreciar o espetáculo de versos. “Depois, ele me obrigou a sentar numa mesa e mandou eu me servir à vontade lá no fogão à lenha, nóóóssa, nunca comi um Tutu Mineiro tão gostoso”. Explica. Após o acontecido, para Pedro Brasília está incluída em seu coração como uma das cidades de maior valor sentimental.


“Capital da Literatura não é ter um livro ou um grande evento embaixo do braço”.

          De fato, às proporções que tomaram a Jornada Nacional de Literatura são gigantescas. Pedro é um cara rotativo, que não está sempre na mídia e seu rosto não estampa nenhuma tela ou capa de jornal, porém o seu espírito é revestido por uma experiência admirável, em suas retas, curvas perfeitas que colocam a sua opinião concreta sobre determinados pontos de vista. Um poeta que não se restringe apenas ao extremo sul e por isso pode, através da escola da vida, ilustrar as bordas de qualquer programação literária.
          Em entrevista pedi para Pedro o que ele achava de Passo Fundo em relação ao slogan “Capital Nacional de Literatura”. Pelo e-mail, o sonhador fantástico ressalta que o sofrido trabalho que a professora e coordenadora do evento faz, Tânia Ressing, é maravilhoso. Porém discorda que Passo Fundo seja a Capital Nacional da Literatura. “Capital da Literatura não é ter um livro ou um grande evento embaixo do braço, é ver o resultado humano que traz, na vida das pessoas e no seu cotidiano, anos e anos de leituras e amor à cultura e à arte”. Esclarece.
          A cidade brasileira que Marodin mais vende livros é Pelotas, e para ele esta deveria ter o título que Passo Fundo carrega. “Em Pelotas os pais incentivam os filhos desde pequenos a ler, quando adultos, continuam com a rotina do livro, sendo assim, não precisam de jornadas ou estímulo que venha do poder público”. Comenta o poeta. Ele volta o olhar não apenas para Pelotas no sentido leitura, mas também para os costumes desse povo, como: a educação na cidade; o respeito dos homens com as mulheres; com a arquitetura antiga. “Vai a Pelotas, tchê, vê a coisa lá e depois compara com Passo Fundo”. Indaga o Porto Alegrensse.
          “Passo Fundo tá mudando, pra melhor, mas questão de história ou de cultura, Passo Fundo ainda tem um grande passo a dar pra chegar na excelência dos pelotenses”...“Coisa boa tu ver uma cidade se tocando e almejando um bem maior que não apenas a cultura do arroz ou da soja, mas a cultura do afeto”. Finaliza com maestria o apaixonado por carros.


O ingênuo perspicaz... O poeta Pedro

          Ele vive da natureza, fotografando flores, olhando para o céu. Toca o profundo de todos com poesia. Atravessa quase que todo o país do samba cantarolando, formando, encantado a todos com um jeito despojado. O senhor do gigante plural. Das cores, sotaques. Pedro, o poeta que sola o asfalto com seu caminhar e interfere no tempo com suas linhas de experiência jovial.
          Um amante, que teve atitude ousada quando ainda era piá, 21. Um brasileiro de Porto Alegre que mora dentro de um carro, junto com seu violão, livros e idéias. Um solteirão casado com o horizonte. O torcedor gremista que adora quando o inter ganha, pois sua mãe de 83 anos fica com um sorriso que vai de orelha a orelha. O escritor poeta que se espelha em Quintana, Leminski e Baudelaire por terem uma linguagem fácil e simples, assim como é o bailarino Marodin.
          Ele afirma que a internet não vai superar o livro jamais, então aprecie o site www.pedromarodin.com.br. O camarada brincalhão. Um poeta de olhos esperançosos. Um ser humano realizado.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Anacronismo de um povo sem memória

Por: Gilberto Bernardi Junior


“Quero deixar as lagrimas de meus olhos escorrerem pelo meu rosto. Quando elas tocarem os meus lábios, a minha língua irá sentir o gosto amargo dos cordéis desta dança”.


          Decupar a nossa história. Não mudar. Esquecer os arredores. Acordar depois que o dia amanheça e se deitar antes que o sol se ofusque. Prisão. Calçar o inexistente e tropeçar nas calçadas esquizofrênicas da avenida ou paralelas. Andar. Parar em cada ponto cultural, desaconselhar o antigamente e não querer o globalizado. Ter um perfil quadrúpede, bisonho. Correr com destino à eternidade, mas deixar o vento marcar nosso semblante campinense com linhas profundas de cor preto e branco.
          A quadragésima oitava vela incendeia e, com a cera, derrete também a esperança. Os que glorificam hoje choram amanhã. Precisa-se de mais ceticismo e lógica. Discursos prontos e entusiasmo zero vão estar no altar da pátria nessa data sem prestígio. Então vamos deixar os adolescentes de lado mais uma vez e puxar quarenta e oito vezes a orelha dos motoristas desse complexo demográfico, formado no início do século XX. Mas dirigir embriagado, perante a lei, é crime.
          "Eu continuo a ser uma coisa só: um palhaço, o que me coloca em nível mais alto do que o de qualquer político”. Encenava Charles Chaplin. Eu quero ser um palhaço, fazer malabarismo, pintar meu nariz de vermelho, rir da boca pra fora e sentir meu coração campinense sangrar por ver novamente gente nova ser trocada, inalada e tachada de paralítica. Em Campinas do Sul santo de casa não faz milagre, só quando cospe no prato. Frágil fica o ego de cada profissional em formação, quando literalmente é deixada de lado, para dar lugar à desprezível politicagem. Isso dá arrepio, dá nojo, provoca cócegas. Nem parece que fazemos aniversário. 48 anos, viva!
          Ergam-se as lonas da esculhambação, que os rios já tomaram conta da cidade. O lodo emergiu e trouxe consigo toda a imundície subterrânea do riacho que atravessa a comuna. Depositam ali, nesse risco de água, graxa, gasolina e fezes. Não dá para esquecer dá celebre frase dita há uns meses atrás por um “cortês” daqui: “Eu tenho Campinas na palma da minha mão”. Sinta o cheiro da tirania no ar, e tente respirar para não dar desgosto a alma. Estamos de aniversário. Essa tonelada de prepotência, exercida por alguns membros do poder público, parece arder na pele do povo. Vota campinense, que em quase meio século te jogaram longe, te mandaram embora, não valorizaram o teu suor, não te deram valor algum, mas te pisaram no pescoço. Cante com os teus filhos, parabéns a você, menininha quarentona.
          Os teus olhos se fecham e não acreditam na prostituição. Veja as madrugadas, Campinas. As tuas filhas sendo profissionais do sexo por não terem opção de emprego. Não chore quarentona, isso é a realidade sendo jogada em sua retina. Nestes anos de vida, teus patrões abandonaram teus pais, filhos e filhas. Agora cidadezinha, agüenta, fostes tu que escreveste teu destino de tal forma e sem conteúdo. Carregue nas tuas costas a dor do abandono sentida todas as manhãs pelos teus adolescentes que ainda te fazem sorrir com dentes podres.
          E me expliquem, senhores dominantes, responsáveis por esse intenso abatimento progressivo: onde estão os empregos? E qual o motivo que leva tantas pessoas a não voltarem a aplaudir, e pisar em chão enviesado desse solo? 48 é superstição.
          As arquibancadas não estão prontas, a grama não está verde, a pista de atletismo é apenas poeira, o arco de traves já está enferrujado e a bola... A bola não existe! É assim que se encontra o estádio, com as obras estreantes na década de 90. E mais uma vez a pergunta: por que desistir do investimento na metade? Hoje, aquele espaço inutilizado pelo Estado é de serventia para usuários de drogas; para as profissionais do sexo ganharem seu sustento; para a geração saúde, em algumas tardes, caminhar em círculos na pista atlética. A poeira que se levanta faz o olho lacrimejar. Palmas incessantes para o nosso campinho de várzea. Agora vamos levantar em pé e com orgulho dar uma salva de palmas bem forte para o magnífico que teve a brilhante idéia de não dar continuidade ao projeto do estádio municipal.
          Estamos celebrando o que realmente? Um ano a mais de experiência? Se tivermos como experiência essa procissão de sombras durante todo esse tempo, imagina o que nos espera daqui uns anos. Ressuscitem os mortos, que os marinheiros estão abandonando o navio. Campinas é tarada em mandar seus queridos para um lugar longínquo.
          Criam-se ídolos boçais, conseqüentemente, a retribuição vem em forma de humilhação comunitária. Campinas conjuga o verbo fazer, de forma egocêntrica: em vez de conjugar na primeira pessoa do plural, NÓS fizemos, conjuga na primeira do singular, EU fiz. Um aniversário de quase cinqüenta velas, com quase sem jovens, sem empregos, com quase sem nada. Sem ritmo, sem poesia e sem cultura. E a burguesia sórdida sedenta de lucros. Lindinha Campinas fizeram do teu aniversário uma farsa. Você dançou 48 vezes, menininha quarentona.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Sem titulo por não ter nada.

Por: Gilberto Junior


          Baseado numa estória irreal. E-mail enviado a minha mãe em meu quarto nível de faculdade. A situação não era tão precária assim, mas precisava surpreendê-la para ganhar uns trocados a mais. Ao ler o e-mail ela me ligou rindo, pediu se eu não tinha vergonha na cara. Disse que não me ensinou a mentir, eu respondi: mãe estou estudando para ser jornalista.


Escrevo este pelo fato de não ter telefone disponível e barato, e também por fazer um tempo que não te mando um e-mail.
Minha mãe, adorável a tua persistência em estudar teus filhos, mas te digo em verdade que não da mais.
          Ser estudante - há teu ver seria, de fato, sofrimento, aos meus olhos está sofrido de mais. Não é por que Jesus morreu na cruz que terei que ser crucificado, Jesus já nasceu pecador. A ambigüidade da frase mantém o vício da religião católica mais sujo ainda.
          Mãe, já não da mais pra ficar estudando sem saber o futuro que teremos como jornalistas. Do jeito como vão as coisas, serei mais um cidadão escoado pelo mercado de trabalho.
          Mãe, já perdi a noção do saber e a distinção entre necessidade e futilidade. Não tenho nem uma cama para repousar. O guarda-roupa de 1970, já não agüenta mais de tanto guardar o tempo. Não escrevo apenas por uma cama no sentido dormir, e sim no sentido coluna do corpo humano, futuramente me causará muita dor na região lombar.
          Mãe, faço faculdade de jornalismo e preciso me alimentar de informações dos diversos tipos de mídias, no entanto, tenho apenas um aparelho de TV, sem antena, e que mal pega a manipuladora rede Globo de televisão. Como poderei formar opinião tendo apenas uma emissora que quase não da para assistir?
          Não sei mais se comer, na definição alimento, é necessário para o corpo. Há anos que apenas tomo café com pão. Atualmente, o pão é inexistente na mesa, mesa? Bom, a mesa é as minhas pernas. Mesa, pão, café, massa, feijão, arroz, saúde... Para estudante parece ser futilidade.
          Pra que usar as pernas? Meus pés calçam um sapato furado, número 38, em fase de decomposição. Eu calço 39. Futuramente gastarei quase todo o meu dinheiro num ortopedista por causo da coluna e da má saúde de meus pés. Estudar significa sofrer tanto assim?
          Mãe, higiene é fato consumado, seja no regime capitalista como no socialista. Trocar as cuecas uma vez por dia é manter um corpo saudável. Veja bem: a semana tem sete dias, porém, tenho apenas duas cuecas. Meu corpo fede.
          Ter uma boa aparência não é apenas vaidade, mas não tenho moedas suficientes para compra um aparelho de barbear. Não tenho 3,76 reais para comprar um Shampoo, muito menos um condicionador. Tomar banho, lavar o cabelo, escovar os dentes é futilidade, questão de higiene ou...?
          Manter a saúde dos pés também é interessante. Mãe, o que a senhora me diz a respeito das meias? Tenho apenas um par, o chulé é comida para meu estômago.
          Duas calças jeans. Duas camisetas. E eu ainda ajudo os mendigos que batem á minha janela. Eu vou para o céu? Ou ficarei vagando por ai com o canudo de jornalista na mão, sendo crucificado pelo povo, não pelo teor das palavras, mas pela aparência pisiquico-físico?
          Mãe, nesse momento você deve estar rindo da minha situação. Lembrando que no teu tempo de estudante, tomava você, chá com pão seco para manter a sanidade intacta. Desculpa, mas eu não vejo graça.
          Não vou escrever das outras coisas, como por exemplo, o meu fogão a gás de quatro bocas, que funciona apenas uma; ou da minha geladeira ano 1968, que tem preguiça de fazer gelo; ou do aparelho de rádio que não sintoniza freqüência alguma, muito menos toca cd. O sofá eu não vou comentar, pois já deves imaginar como a espuma se apresenta.
          Mãe, não da mais. Tenho fé e muita luta só que a realidade me faz desistir de continuar lutando pra se alguém na vida. E eu ainda tenho que escutar: deputados pedem reajuste no salário. Haja paciência, meu dentista não recebe desde outubro.
          Devido a esses fatos, descritos com um olhar sem se apegar aos detalhes, estou desistindo do meu curso a partir do ano que vem.
          Meus 63 kg me jogam a verdade em frente ao espelho. Os bolsos furados das minhas duas calças me indicam o futuro, e meu sapato furado me surpreende com a verdade do chão que piso. Pô, eu só tenho que ser um comunista. A desigualdade perante o mundo é vital. O sentimento de inferioridade coça a minha pele nua e crua. As chagas que cristo herdou ao ser crucificado, hoje estão em meu estomago em forma de gastrite.
          Desisto o semestre que vem pra quem sabe no amanhã, ter dois pares de sapatos, três calças jeans, dois pares de meia, sete cuecas e umas camisetas a mais. Talvez algum troco no bolso furado pra conseguir tomar uma coca média e um pastel de carne numa padaria de rodoviária.

Beijos mãe.
          Do teu filho indignado, pobre, realista, sem cama, sem fogão, sem cueca, sem meia, sem sapato, sem estágio, sem dinheiro, porém... Porém nada pô!

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Dedicatória

Por: Gilberto Junior

          A dedicatória abaixo foi feita no trabalho de conclusão do curso de jornalismo, monografia. De acordo com a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), todo trabalho científico necessita de agradecimento, dedicatória, desenvolvimento etc., etc., etc. Na UPF não seria diferente, folhas e mais folhas. Pode não haver um sentindo contínuo, mas para esta universidade, análise boa, é analise que tenha mais de 85 folhas, a minha deu 56. Duas de dedicatória, duas de agradecimento, três de resumo. Mais duas capas... E uma nota ótima. Para que fez uma monografia em seis noites, chego a teoria de que, quanto menos preocupação, melhor fica o trabalho.


          Algumas pessoas citadas, não vou definir o motivo pelo qual estão sendo descritas para manter a imagem do autor. Vamos nós:
          Dedico este trabalho único e exclusivamente a mim. Porém, seria agir de má fé não citar algumas pessoas, que sem elas, não seria possível o desenvolvimento desse estudo.
          A minha mãe e pai, por terem me colocado no mundo e conseqüentemente, hoje, poderem dizer que são pais de tão maravilhoso ser que sou, e claro, por darem todo o apoio e estrutura que uma pessoa necessita. Mas tenho certeza que me ofereceram muito mais além do que descrevo aqui, faltariam palavras.
          A Deus, por não me esquecer nos momentos em que mais precisava de um apoio emocional.
          A banda The Beatles por fazerem tão belas melodias, cujas me acompanharam no desenvolver dessa analise.
          A banda Mamonas Assassinas, sem comentários.
          Ao mundo capitalista, por conseguir implantar dentro da sociedade mundial, concepções lindas e maravilhosas como, por exemplo: ninguém precisa ser igual a ninguém.
          Ao meu mentor espiritual que, nos momentos de repouso, aparecia através dos sonhos para direcionar este trabalho.
          Aos filósofos por nos mostrarem que o pensamento se faz necessário em certos momentos de nossas vidas.
          Ao pensador Friedrich Wilhelm Nietzsche, por simplesmente dar aos seres humanos uma visão realista sobre diversos pontos de vista.
          Ao meu estado, por ser o maior de todos
          Ao meu país, por ter a felicidade de ter um clima tropical.
          Ao Spider-man e ao Capitão América, meus heróis de infância.
          Ao Chaves e Chapolin, pela astúcia implacável.
          Ao meu orientador, Otávio, pela paciência, entusiasmo, pelos puxões de orelha nos momentos necessários.
          Aos meus avôs, por serem providos de tão alta personalidade, que de seus corpos restam suas idéias.
          A todos os bares que me acolheram nos momentos em que a irritabilidade tomava conta dos pensamentos e assim, agiram como um harém, nos dando a certeza que a vida não é apenas trabalho e preocupações.
          Não posso esquecer do meu cachorro, ele adoraria brincar com estas folhas. Ele não parou de latir um minuto enquanto eu digitava estas páginas e o deixava de lado.
          E por ultimo, dedico esta monografia a sala e a caixa de papelão em que esta monografia ficará guardada por anos e mais anos até suas folhas ficarem amareladas e delicadas.