“Eu continuo a ser uma coisa só: um palhaço, o que me coloca num nível mais elevado do que o de qualquer político.” Charlie Chaplin

domingo, 9 de novembro de 2008

O triste espetáculo de uma vida

Por: Gilberto Bernardi Junior

           Apenas um texto. Sem explicações, sem sentimento (contraditório)... Apenas um texto manipulado, pois a realidade traria a tona a política suja e nojenta que não preserva vidas. Apenas um texto que não retrata que, no dia em que senti a morte na pele, o médico, que deveria estar em plantão no local de trabalho (para salvar vidas) foi dormir em casa, já que 24 horas antes, estava tomando cerveja num bar de Campinas do Sul. Atualmente, o médico que deveria fazer valer o juramento de faculdade de medicina, continua vivo e enganando pacientes. Já, o meu pai, está morto.



Palavras pré-meditadas. Nem perto da ousadia da morte


          Pensava que era o super-homem, mas me enganei e fraquejei. Parece que nunca vai acontecer, mas quando menos se espera o escuro estampa a nossa face. Coloca-nos numa situação de impotência. Mostra-nos o quanto somos fracos, o quanto somos nada. Tu usas todas as forças. Grita. Tenta reagir. Quebra uma porta com brutalidade e não acredita o que vê. Você vê a imagem refletir num espelho... A imagem retorcida do desespero. E dizem que somos fortes... Engano
          O desespero de um grito calmo foi tão alto, que a única pessoa que necessitava escutar, encontrava-se embalada pelo som dos anjos. Meu pai dizia, quando vivo - “Se eu avançar, avance comigo, se eu desistir e voltar, atire em mim, pois estarei indo contra todos os meus princípios”. Caído no chão, com o corpo a mercê da morte, seu olho escutou uma pequena frase. “Não me abandona agora pai”. O olho, já sem aquele brilho verde misturado com amarelo, abriu por um segundo e falou firme, porém suave – “Segue. Vai em frente... agora está com você”...
Entendi que a mensagem passada naquele instante, enquanto o coração do meu pai sangrava pelo infarto fulminante do miocárdio, e o meu sangrava de desespero, junto à impotência e insegurança, é que o triste espetáculo da vida tinha um início, 31 de julho de 2007.
          Fiz de tudo, não o possível. Não desisti um segundo, segurei firme e minhas lágrimas não caíram naquele momento. Eu tentei, e isso, não foi o suficiente. O mundo se calou em um instante. Calou-se no eterno.
          Não sou o super-homem, nem o Spider-Man, nem o Capitão América (herói de infância, ganhei a roupa do meu pai) nem nada. Quando fiquei sabendo que não era isso tudo, a frustração foi tão grande que ainda me pergunto o motivo pelo qual me leva a encarar o tranco.
          E nada restou... A superioridade ficou por conta da impotência, da revolta. Falta a gargalhada, sobra tristeza. Inconformismo. As lagrimas caem incansavelmente. Parece um mar de desilusão, um pouco maior... Bem maior. Incontável. E o GUERREIRO REPOUSOU.
          Enquanto a água do chuveiro escorria pelo ralo, passando pelo corpo do guerreiro, ela levava junto um pedaço da minha vida. Um pedaço que, sem querer, se misturava com a minha falta de força.
          Dizem que vão os bons, os Guerreiros bons por primeiro. Após a luta incansável, o Guerreiro repousa. Saem no melhor da festa sem ter dançado a ultima música (ele gostava do Bial). Dizia ele, o Guerreiro, isso é uma passagem. “Eu vou viver 100 anos”, afirmava meu pai, que foi traído por uma força maior, a morte.
          O Guerreiro sonhador, brincalhão, até no leito de morte sorria. Não existem palavras de consolação e nada ameniza e nada adianta. Então somos limitadíssimos, então somos coisa nenhuma.
          Deitamos rindo e “acordamos”, de fato, mortos. Não acordamos. Puxamos o ar e, talvez, não consigamos soltar. É possível até de tentar falar uma frase inteira e esquece de avisar onde é o ponto final. Depois de um tempo, o ponto se coloca sozinho e indica o fim da linha. Ponto.
          Falam que é preciso estar preparado para a única certeza da vida, a morte. Se o cara lá de cima criou à vida e, consequentemente a morte, poderia ter esquecido de criar o sofrimento, a dor, a perda, o nada. Poderia ter sido mais humano e menos espírito... Por que sempre os bons ao lado dele? Por que sempre os melhores? Os que fazem mais falta aqui nesse mundinho? Por que ele não avisa que vai nos passar uma tranca quando estamos com o corpo mole? Por que a gente não nasce com um botão de on e off? E sem respostas, O Guerreiro repousa.
          Largam o escudo, baixam a guarda e limpam a espada. Deixam apenas a armadura por aqui e somem, desaparecem. Olham-te por uma última vez, talvez duas, e... Deixam-nos arrepiados. Vão caminhando em direção a não sei aonde e nem se quer dizem adeus, apenas uma mensagem nas entrelinhas de um último olhar.
          Dizem que aquele lugar, que não conhecemos, é lindo e tem violetas na janela. Dizem que o sol irradia as manhãs de uma forma jamais vista. Dizem que as pessoas são legais e que todos são Guerreiros de luz. Dizem que as ondas do mar, no por do sol, beijam os pés de quem caminha descalço pela orla dos céus com os lábios da virgem Maria. E os que ficam? Que explicação nos dão? Nenhuma. Deixam-nos lembranças, lágrimas e desconforto apesar do conforto lutado na batalha de uma vida de meio século.
          Joga-se a morte contra o muro da eternidade e ela volta com tanta força do lado esquerdo do peito, que nem a estrutura, que é feita do melhor material resiste a essa energia do outro mundo. Em segundos infinitos, a morte toma conta de tudo o que é mais sagrado. Tira-nos do colo a segurança e ficamos desolados. E o GUERREIRO REPOUSA no manto eterno. Calmo, afetuoso. Consolado por uma legião de guardiões.
          Damos um giro de um milhão de graus. Dorme-se sorrindo e se acorda chorando. E não somos o super-homem. Nem somos uma pedra rochosa. A mensagem que fica é a de um dicionário de palavras sem significado. As teorias em relação à vida e morte se desfazem. O imaginário entra em ação. O medo, a insegurança, o perdão, a impotência, o clamor, a raiva e tudo o que existe se torna inevitável e ridícula quando sentimos a falta de vida em nossos braços. Não sou um Guerreiro como meu pai. Estou longe, muito longe disso...
E o Guerreiro de luz segue a sua saga de vitórias em uma outra batalha, enquanto eu, um aprendiz a partir do ano que continua vivo e impertinente em minha memória, tento colocar em prática o que o Guerreiro do Repouso eterno me ensinou em seu bravo duelo por aqui.
          Nasce-se novamente, só que não tem ninguém para ensinar o que é certo ou errado, nem para dizer qual caminho seguir, entretanto, aprende-se pelo instinto, pelo alvitre. Dança-se uma nova música sem saber o ritmo. Eu não consegui ser o super-homem. E a nuvem negra tapa o nosso rosto com gotas de morte. Premonição existe.

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Tudo tem um final. Ele está depois do ponto.

Eu juro que tentei um pouco de tudo pai, mas não deu. Eu to tentando ser forte e sóbrio, mas não é fácil. Eu juro que usei todas as forças para não te decepcionar, só faltou um médico aquele dia. Aquele dia ainda não terminou. Aquele dia fica acordado e não dorme nunca. Isso dói. Agora falta o carinho, a risada, os conselhos, agora falta tudo, agora falta você. Eu vejo o meu corpo tremer cada vez q chego em casa e olho o vazio que se estende pelos tantos cantos da casa. Ms t juro que tentei fazer d tudo. E tu vai assim, sem mais nem menos. Eu te segurei firme, te envolvi nos meus braços, e tu conseguiu escapulir. Eu to firme ainda Pai, to engolindo meu choro, retendo minhas lágrimas, enxugando o rosto de todos. Eu to firme Pai. Está tudo bem, pai, eu só estou sangrando. Gracias.

Um comentário:

Sabrina disse...

A vida é mesmo doida Giu... nos aplica as maiores peças... cada minuto é decisivo...
Mas o mundo ñ para e apesar do imenso vazio, a nossa vida continua, estamos vivos e isso é tudo...