“Eu continuo a ser uma coisa só: um palhaço, o que me coloca num nível mais elevado do que o de qualquer político.” Charlie Chaplin

quarta-feira, 26 de março de 2008

O ingênuo perspicaz, o poeta Pedro.

Por: Gilberto Bernardi Junior

          Algumas pessoas parecem ter um espírito ousado sempre. Apresentam-se de forma, no mínio, interessante. Se olharmos ao nosso redor poderemos observar a presença de diferentes tribos. Tem gente de todo o estilo. Reggae, alternativo, punk, literário, conservador, naturalista, minimalista, enfim... Tem gente que só de olhar da pra arregalar os olhos e fazer com que eles saltem da cabeça, fazendo explodir o nosso imaginário.
          Então salve, salve por que nesta reportagem vamos contar a história de uma dessas pessoas. Ele trocou o endereço fixo por uma vida de andarilho, dando passos pelo mundo a fora, não tendo paradeiro nunca. O cara aprecia as letras, forma frases para encher a barriga, enaltecer a alma e engrandecer o ego.



          Nascido em Porto Alegre, residente em um Passat ano 80, Pedro Marodin tem 43 anos e a 19 é poeta. Um deslumbrado pela vida que largou a faculdade de Agronomia na UFRGS para levar uma vida totalmente sem, digamos que, rumo. Apaixonado pelo que faz, Pedro ganha a vida escrevendo poesias. É um militante nessa área. Se define com um guerreiro na arte de viver, pois o dinheiro que recheia seu bolso é apenas o da venda de seus livros.
          Numa aula de matemática, ao invés de somar, diminuir, dividir estava fazendo um poema. Quando todos já se retiravam, colegas e professor, o rapaz ainda sentado na classe, sozinho, terminava os versos. Ao final deles lagrimas começaram a cair de seus olhos e o choro compulsivo tomou conta de seu corpo. Nesse momento Deus dava o diploma de poeta a Pedro, nascendo o destino do ex-agronomo para o mundo da fantasia.
          Devido ao tempo em que tem em meio aos seus dedos um lápis ou caneta para colocar no papel, versos, Marodin já não lembra mais qual foi o primeiro poema que escreveu, porém, em entrevista comenta que, quando jovem fazia parte de um grupo de adolescentes da Paróquia São Sebastião e tentava catequizar uns amigos maconheiros que freqüentavam as salas de aula daquele lugar. Quando emprestou uma Bíblia a esses meninos, em troca, um livro do Mário Quintana “ Esconderijos do tempo” se pôs em suas mãos, levando ao seu intelecto o primeiro livro de poesias lido por ele.
          De cabelos longos e sotaque cantado, o nômade gaúcho não se restringe apenas ao Rio Grande do Sul. Se viajar é bom, imagina marcar as estradas do nosso país com versos e prosas. Canções e estrofes. Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás já conhecem um pouco desse “magrão” que usa nariz de palhaço e aos finais da tarde declama poesia para as crianças.


Quando a gente menos espera...

          Quando conheci o Pedro ainda estudava na cidade de Erechim, no Instituto Anglicano Barão do Rio Branco. Estava no primeiro ano do ensino médio. Na sala fechada, de 45 alunos, o vento gelado entrava por debaixo da porta quando, na aula de química, entra um senhor engraçado pela porta junto com o ar congelante do inverno tocando saxofone e em seguida declamando poesias. Eu sentava na última classe, bem no fundão. Com dez minutos de apresentação os nossos ouvidos ficaram quentes e nossas mãos duras, amoleciam com emoção daquele formador de versos.
          Alguns anos se passaram e logo ali, quando a gente menos espera, se da de cara com alguém caminhando nos corredores da Jornada Nacional de Literatura, em Passo Fundo. Desta vez eu estava na posição de estagiário voluntário do documentário do evento. Eis que encontro um homem de pochete na cintura, calça jeans e casaco. Ainda de cabelos alongados e livros nas mãos. Aproximei-me e perguntei se ele não era escritor ou poeta. Se já tinhas ido para Erechim e tal. O papo, num segundo surgiu, após eu comentar que o tinha conhecido na escola. Bradou Pedro, nos corredores de frio intenso da jornada. Era inverno também “Bá, tu tava lá? Eu toquei sax na tua aula, lembra!?”. Realmente o mundo é gigante, mas nos passa uma impressão de pequenino às vezes.


As estórias de uma vida, singular, prosseguem. Poesias e pneus...

          Se não bastasse se apaixonar por uma francesa no Fórum Social Mundial de Porto Alegre e como conseqüência vender o carro, uma Quantun 86, de nome Manoel, para ir até a França em busca desse amor, Pedro tem uma relação de afetividade com seus carros, que coloca inveja em qualquer pai coruja no paredão do big brother. “Eu tenho uma relação de parceria total, como eu não tenho ninguém pra conversar, na estrada, eu converso com eles. Falo dos amores, meus problemas, dívidas com a gráfica. Divido as alegrias, as tristezas...”. Nos conta o viajante.
          Atualmente o poeta das estradas está com um Passat de ano 80 que se chama Chocolate. Neste veículo, que acredito ser abastecido não apenas por gasolina, e sim, por muito alto astral, existe ainda o banco do motorista, já que o do caroneiro e o traseiro foi tirado para dar lugar a uma porta serrada na medida, por Marodin, que serve como uma cama, um colchonete e cobertores fazem o papel de colchão. É, viver de encanto pode dar dor nas costas.
          O homem nômade também tem suas ambições. Por de trás do perfil alternativo, improvisador, elegante, existe uma pessoa que busca melhorar a sua casa ambulante. Não vai pensar que ele vai compra um iate e começar a vender seus livros pelos sete mares, se bem que desse poeta... Enfim, segundo ele, um Motor-home seria o ideal para furar as transversais dos estados e insistir na venda de suas idéias num país que não tem como costume a leitura. Dentro de suas possibilidades financeiras, uma Kombi está de bom tamanho e as coisas teriam o seu devido lugar já que - “No Chocolate, na primeira curva, a cozinha se atira, se mistura com o guarda roupa, os livros se jogam no meio dos meus pés, o violão se joga no vidro, imagina o transtorno de ter uma tripulação louca e, pior, suicida, tão doida quanto eu”. Brinca o escritor.
          Talvez depois dessa reportagem a gente consiga, com muito esforço, mudar o conceito da cidade projetada, Brasília. Certo dia o poeta resolve ir para a capital do Brasil. Lá chegando suas idéias giravam em torno do preconceito em relação à corrupção, politicagem, mas o surpreendente tomou conta do raciocínio do malabarista de palavras devido à forma como o povo o recebeu por aquelas bandas. Segundo Pedro, uma vez o proprietário de um restaurante, seu Jorge, pegou ele pelo braço e sem conhecer seus dotes, fez os músicos pararem de tocar e o apresentou ao microfone local. Durante dez minutos, os poemas tomaram os ouvidos das pessoas do recinto que interromperam a janta para apreciar o espetáculo de versos. “Depois, ele me obrigou a sentar numa mesa e mandou eu me servir à vontade lá no fogão à lenha, nóóóssa, nunca comi um Tutu Mineiro tão gostoso”. Explica. Após o acontecido, para Pedro Brasília está incluída em seu coração como uma das cidades de maior valor sentimental.


“Capital da Literatura não é ter um livro ou um grande evento embaixo do braço”.

          De fato, às proporções que tomaram a Jornada Nacional de Literatura são gigantescas. Pedro é um cara rotativo, que não está sempre na mídia e seu rosto não estampa nenhuma tela ou capa de jornal, porém o seu espírito é revestido por uma experiência admirável, em suas retas, curvas perfeitas que colocam a sua opinião concreta sobre determinados pontos de vista. Um poeta que não se restringe apenas ao extremo sul e por isso pode, através da escola da vida, ilustrar as bordas de qualquer programação literária.
          Em entrevista pedi para Pedro o que ele achava de Passo Fundo em relação ao slogan “Capital Nacional de Literatura”. Pelo e-mail, o sonhador fantástico ressalta que o sofrido trabalho que a professora e coordenadora do evento faz, Tânia Ressing, é maravilhoso. Porém discorda que Passo Fundo seja a Capital Nacional da Literatura. “Capital da Literatura não é ter um livro ou um grande evento embaixo do braço, é ver o resultado humano que traz, na vida das pessoas e no seu cotidiano, anos e anos de leituras e amor à cultura e à arte”. Esclarece.
          A cidade brasileira que Marodin mais vende livros é Pelotas, e para ele esta deveria ter o título que Passo Fundo carrega. “Em Pelotas os pais incentivam os filhos desde pequenos a ler, quando adultos, continuam com a rotina do livro, sendo assim, não precisam de jornadas ou estímulo que venha do poder público”. Comenta o poeta. Ele volta o olhar não apenas para Pelotas no sentido leitura, mas também para os costumes desse povo, como: a educação na cidade; o respeito dos homens com as mulheres; com a arquitetura antiga. “Vai a Pelotas, tchê, vê a coisa lá e depois compara com Passo Fundo”. Indaga o Porto Alegrensse.
          “Passo Fundo tá mudando, pra melhor, mas questão de história ou de cultura, Passo Fundo ainda tem um grande passo a dar pra chegar na excelência dos pelotenses”...“Coisa boa tu ver uma cidade se tocando e almejando um bem maior que não apenas a cultura do arroz ou da soja, mas a cultura do afeto”. Finaliza com maestria o apaixonado por carros.


O ingênuo perspicaz... O poeta Pedro

          Ele vive da natureza, fotografando flores, olhando para o céu. Toca o profundo de todos com poesia. Atravessa quase que todo o país do samba cantarolando, formando, encantado a todos com um jeito despojado. O senhor do gigante plural. Das cores, sotaques. Pedro, o poeta que sola o asfalto com seu caminhar e interfere no tempo com suas linhas de experiência jovial.
          Um amante, que teve atitude ousada quando ainda era piá, 21. Um brasileiro de Porto Alegre que mora dentro de um carro, junto com seu violão, livros e idéias. Um solteirão casado com o horizonte. O torcedor gremista que adora quando o inter ganha, pois sua mãe de 83 anos fica com um sorriso que vai de orelha a orelha. O escritor poeta que se espelha em Quintana, Leminski e Baudelaire por terem uma linguagem fácil e simples, assim como é o bailarino Marodin.
          Ele afirma que a internet não vai superar o livro jamais, então aprecie o site www.pedromarodin.com.br. O camarada brincalhão. Um poeta de olhos esperançosos. Um ser humano realizado.