“Eu continuo a ser uma coisa só: um palhaço, o que me coloca num nível mais elevado do que o de qualquer político.” Charlie Chaplin

sexta-feira, 3 de abril de 2009

A brisa das onze
Por: Gilberto Bernardi Jr.


"Algo mágico acontecia naquele instante. Uma sensação, um sonho e um segredo que até hoje meu cérebro não consegue entender".

          A brisa das 11 horas entrava pela janela que ficava de frente para a rua. Ao chegar ao apartamento, no primeiro andar, número 102, eu esbarrava num momento que jamais iria esquecer. No rádio, um CD com músicas diversas tocava sempre a quarta – Um Girassol da cor do seu cabelo. O sofá, à esquerda, guardava o vazio dos anos seguintes. Uma colcha branca, comprada de um vendedor de rua, aqueles que vêm do nordeste, escondia os retalhos que o cachorro fizera na espuma há uns anos. As paredes brancas lembravam um hospital aconchegante. A TV, de 14 polegadas, era posicionada frente ao sofá, mas naquela época as ondas radiofônicas eram mais companheiras do qualquer imagem. A mesa de centro, de cor marrom, com cantos pontiagudos, além de se mostrar humilde, segurava na parte superior os destroços da festa da noite que acabara de amanhecer.
          E ali estava minha irmã e eu, num apartamento de dois quartos. Uma sala grande com poucos móveis; uma cozinha, uma lavanderia, um banheiro e por incrível que pareça, quatro janelas, por onde o vento corria livre entre os cômodos. Éramos dois das sete da manhã até as duas horas da tarde. No outro intervalo de tempo, o um mais um chegava a oito.
          O que mais chamava a atenção era a décima primeira badalada do dia, no abrir da janela central daquela caixa repartida. A sensação de estar lá, com a brisa ventando calma na primavera, deixava a mente numa situação inexplicável de bem estar. Isso faz falta hoje. Não da mais para sentir aquele vento liso no rosto. Fico me perguntado, cada vez que me deparo com uma janela, qual o motivo desse saudosismo? Mas cada vez que olho para um reflexo de vidro, mesmo que miúdo, ele me da à resposta.
          ...Quando a noite chegava, a imaginação de dias saudáveis aumentava no exato momento em que a porta era aberta. Um dos dedos, quando não era a palma da mão, apertava o interruptor da luz. Uma lâmpada de 60w se misturava com o que estava parado na sala, dando vida aos objetos que pairavam sem nada a falar por ali. Tudo mudava quando a cortina verde-escura era aberta.
          Em frente à janela principal havia um poste de luz. Todas as noites eram iguais: as luzes do apartamento eram desligadas, assim como os noticiários. O rádio tomava conta do silencio e ficava como trilha de fundo. O sofá batido nos acolhia como um abraço apertado. E ali deitávamos minha irmã e eu - janela aberta com uma brisa fresca junto à luz amarelada do poste da rua. As sombras das grades se estendiam até a parede branca, dando um ar, ao mesmo tempo, sinistro e pensante. Logo em seguida um comentário qualquer, num tom uma oitava acima do som do rádio, nos fazia gravar aquele instante que, hoje, me faz escrever isto: a lembrança de algo tão simples que dá vontade de pedir apenas mais um dia para morar com minha irmã e deitar naquele sofá, no mesmo apartamento, no mesmo tudo.
          Era diferente, explicável, porém indefinido. É como se quando fazíamos a rotina de abrir as janelas e sentir a brisa das onze horas, da noite ou da manhã, e ficar sendo embalado por aquele momento gigante, com música e luz amarela, virasse magia. O pensamento flutuava, nos colocava perto do mar. As fronteiras de tempo e espaço se perdiam em meio aquela multidão de silencio que se quebrava em meio as oitavas acima ou abaixo do normal. O instante de euforia era traçado pela bonança, assim como as ondas que escavacam com brutalidade a areia da orla e voltam afetuosas ao fundo do mar. Aquele momento era estonteante. Mas assim como os mortos, o tempo não se levanta, nem flutua, nem absolutamente nada.
          Aquela brisa se distinguia de todas as outras. A brisa das onze tinha ouvidos e, às vezes, até falava. Aquela brisa não tinha hora, bastava abrira a janela e lá estava ela, com um cardápio perfeito de emoções. Ao entrar sem pedir licença, a frágil brisa me levava embora desse mundo, mas a próxima rajada de vento me indicava que o norte a ser seguido seria cruel. Lembro que o momento em que ela me levava daqui, os poucos segundos que se viviam intensamente dentro da brisa, daria para trocar a eternidade por tal instante.
          Hoje os cartazes a procura de uma nova brisa são costurados entre as horas e, o achado são ventos contínuos sem muita expressão. O que consigo igualar com o velho tempo é a procissão da rotina do fechar da janela. Quando eu acordava no meio da madrugada, com a brisa embalando meu sono em tom de despedida, levantava do sofá, sentava-me nele, com os pés descalços no piso gelado de lajotas brancas, sonolento caminhava vagarosamente com destino a luz do poste da rua, esbarrava nas grades da janela imensa e me dava conta que o dia ainda estava aí. Com a mão esquerda apoiada na parede, jogava o peso do corpo nesse braço. A mão direita agarrava um parte de janela, com um leve esforço ela ia se fechando e minha cabeça começava a entender que a brisa só voltaria no dia seguinte, às onze horas. Com tudo fechado, um bocejo saia pela minha boca, meu corpo voltava a posição rígida, meu olhos olhavam por alguns segundos entre a janela - e a brisa seguia seu rumo incerto. As pernas, sincronizadas, tomavam o caminho do quarto. Ao deitar o sonho voltava a si e eu apenas esperava pelo outro dia. Esperava pela brisa.

8 comentários:

Andressa disse...

Balaaaaa o texto.. ;)

Unknown disse...

muitoo tri

Anônimo disse...

Muito bom, Giu.

E parabéns para nós colorados!

Beijão.

Giu disse...

Bravo, Bravo, Bravo.

Lembra quando alguem especial dizia escondido:
..."ele escreve muito bem!"
Com certeza iria gostar e não se chatear com tuas "outras"idéias.
Muito bom mesmo(sabe q não sou coruja)

mami disse...

Este comentario acime é meu não do giu. Postei mal.desculpe.

João! disse...

Boooa Gibaaaa!
Baaaita texto! Show mesmo!
Abraço.

± Cøk€z ± disse...

Bravo!!
Bis!!
:)

parabens mano!
pq vc num começa a escrever um Livro??
sei zuera...
vc escreve bem!!

Anderson disse...

muito bom o texto giu... faz com que também nos lembramos de nossos passados e nos faz refletir bastante... Bom mesmo